Quando será criado o TRT/AP-25ª Região?
Tribunal Regional do Trabalho do Amapá
BESALIEL RODRIGUES
Professor do Curso de Direito da
Universidade Federal do Amapá
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma das justiças especializadas brasileiras ficou incompleta na Federação, a Justiça do Trabalho. Das 27 Unidades da Federação brasileira, quatro (Acre, Amapá, Roraima e Tocantins) ficaram sem Tribunal Regional do Trabalho (TRT), mas, diga-se, não ficaram sem Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou sem Tribunal de Justiça Estadual (TJ). A Justiça do Trabalho do Acre ficou anexada ao TRT-14ª Região de Rondônia, a do Amapá ao TRT-8ª Região do Pará, a de Roraima ao TRT-11ª Região do Amazonas e a de Tocantins ao TRT-10ª Região do Distrito Federal. O estado de São Paulo, por sua grandeza, ganhou dois TRTs: 2ª Região (Capital) e 15ª Região (Campinas).
Outra curiosidade é que não foram estabelecidos nesses quatro TRTs “bi-estaduais” assentos a representantes dos estados “anexados”. O Constituinte não se preocupou com esse detalhe. A sensatez diria que poderiam esses tribunais de “dupla regionalidade” ter a metade de magistrados de cada estado, ou um número proporcional ao da população, por exemplo; mas a possibilidade ficou à própria sorte das conveniências políticas vigentes.
Dentre as justificativas para a junção de jurisdições estaduais em um só tribunal, a mais perfunctória foi a relacionada à baixa população e ao reduzido número de demandas em tais Unidades Federativas “acopladas”. Por que tal critério não foi utilizado, porém, na esfera da Justiça Eleitoral, haja vista, por exemplo, o eleitorado total do estado do Amapá ser menor que o de uma Zona Eleitoral da Cidade de São Paulo? Ou, na esfera da Justiça Estadual, quando a população total do Acre é menor que a de muitas comarcas do Sudeste do Brasil? Nesse último caso, alguém vai alegar que o TJAC é poder de Unidade Federativa. No entanto, o assunto fica mais estranho ainda quando vemos que o DF não tem TJ, sendo o TJDFT órgão da União e, frise-se, o DF tem a 4ª maior população federativa da República. Todos sabem que tal questão do DF não é de natureza demográfica e, sim, orçamentária.
Continuando, se em 1988, a população das citadas Unidades Federativas era baixa e reduzido o número de demandas trabalhistas, como está a realidade agora, em 2024, 35 anos, quase quatro décadas depois?
Na esfera dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), assunto semelhante não aguentou a pressão temporal. No âmbito do TRF-1ª Região, teve de desdobrar-se a Corte e foram criados mais TRFs na mesma esfera geográfica, pois o tempo passou, o Brasil cresceu, as realidades mudaram, as demandas se multiplicaram, o acesso à Justiça e ao Poder Judiciário foram mais bem reclamados pela população etc. Então, a Justiça Federal foi mais assertiva na compreensão deste novo contexto, e implementou-se, em nível de 1º grau, uma política de interiorização (v. Lei n. 12.011/2009) em todo o país e, agora, iniciou-se a expansão, em nível de 2º grau, quando recentemente foi instalada, no Estado de Minas Gerais, mais uma unidade de Tribunal Regional Federal, a qual foi denominada TRF-6ª Região (v. Lei n. 14.226/2021).
Outro ponto de reflexão que se pode fazer é que não se implantam unidades físicas do Judiciário considerando-se somente critérios de quantidade populacional ou quantidade de processos. Não! Existem fatores muito mais importantes do que esses e, aqui, destacamos dois: o Acesso à Justiça e ao Judiciário e a capilarização do orçamento público. Para aprofundamento jusfilosófico, veja-se a Obra “Uma teoria de justiça”, de John Rawls.
Todo o ser humano, todo o cidadão, tem o direito fundamental de acesso à Justiça e ao Judiciário. O direito à Jurisdição Universal é dos principais direitos humanos da humanidade. A ausência da Justiça é uma das piores injustiças humanas.
Para ilustrar essa fala, certa feita, na década de 1990, o Tribunal Superior Eleitoral baixou uma resolução determinando que todas as zonas eleitorais do país tivessem, no mínimo, 30 mil eleitores, salvo engano (v. www.tse.jus.br/resolucoes). Quando a notícia chegou ao estado do Amapá, o presidente do TRE/AP da época reuniu-se com sua assessoria, pois, com base naquela resolução, o estado do Amapá somente conseguiria ter zonas eleitorais nas cidades de Macapá e Santana, e uma terceira que abrangeria todo o interior do estado, pois nenhum outro município preencheria aquele critério. A saída encontrada naquele momento foi formar uma equipe, liderada pelo desembargador-presidente e ir a Brasília, naquela mesma semana, a fim de reunir-se com o presidente do TSE, e mostrar a ele a realidade da região do extremo Norte do território nacional, que era a mesma da região amazônica e de parte do Centro-Oeste do Brasil, áreas geográficas com baixíssima densidade demográfica, que deixariam de ter unidades da Justiça Eleitoral, o que privaria milhões de brasileiros – espalhados por grandes áreas geográficas, a maioria delas de difícil acesso – de serem servidos pela citada Justiça. Pior ainda, isso tornaria penoso e inviável o trabalho físico e operacional de um dos ramos do Poder Judiciário brasileiro, ramo este responsável pela concretização do exercício da cidadania nacional. Ao receber a Comitiva do TRE/AP e ouvir as devidas implicações sobre esse assunto, o presidente do TSE da época desculpou-se humildemente, e disse que tal resolução tinha sido feita dentro de gabinetes de Brasília, locais em que havia pouca reflexão sobre as diversidades espalhadas pela Nação e a percepção dos fatos estava baseada, apenas, nas realidades do Sul e do Sudeste do País etc. Na semana seguinte, o assunto foi reavaliado pelo Plenário da Corte, o qual reformulou a referida resolução.
Também há de considerar-se que a presença de uma unidade do Poder Judiciário numa Unidade Federativa municipal ou estadual possui altíssima importância sobre o debate da capilarização do orçamento público. Vivemos a época da “orçamentocracia”, fase atual da história político-partidária em que os parlamentos nacionais estão subordinados (adstritos) ao instituto das emendas parlamentares, as quais subordinam a governabilidade no país e convertem os poderes e a vontade das bancadas e de governos de coalizão.
Destarte, estendendo esse raciocínio à esfera do Poder Judiciário, tem-se que ele, hodiernamente, não só distribui justiça julgando processos: ele também é o instrumento indutor de capilarização orçamentária e da distribuição de renda, tanto de forma direta – por meio dos salários de seus servidores e magistrados – quanto, também, por meio da rede de contratos estabelecida com a iniciativa privada – que cuida da segurança, da internet, dos serviços gerais, da manutenção de centrais, do fornecimento de energia, água, esgoto, telefonia, transporte, alimentação, copeiragem, jardinagem, lavagem e manutenção de veículos etc., ligados aos bens públicos de uso especial. Tudo isso gera uma série de empregos diretos e indiretos na região geográfica onde tal órgão opera, e, de forma indireta, isso movimenta o pagamento de tributos, recolhimento de contribuições previdenciárias, distribuição de benefícios assistenciais etc.
Para ilustrar também essa fala, citemos outro caso por nós vivenciado: o processo de interiorização da Justiça Federal brasileira (v. Lei n. 12.011/2009), e a consequente implantação da Vara Federal de Oiapoque/AP (Subseção Judiciária). Ao ser instalada naquele longínquo e desprezado rincão do território brasileiro, a referida unidade judicial fez circular, na época do seu início, quase 300 mil reais mensais de salários aos servidores e magistrados, quase 200 mil reais mensais em dezenas de contratos com terceirizados, centenas de salários-mínimos mensais injetados na economia da região, com o pagamento de benefícios previdenciários concedidos pela referida Justiça, além de milhares de reais recolhidos, por conta de dezenas de execuções fiscais, que passaram a ser recolhidas, juntamente com outros tributos federais etc. Em dois anos de presença da Justiça Federal em Oiapoque, o orçamento circulante naquela municipalidade mais que dobrou, e a estrutura do município passou a melhorar significativamente (hotéis, restaurantes, malha viária, comércio etc.).
Com base nestas considerações, e voltando a falar um pouco mais da questão da necessidade de implantação de um TRT no estado do Amapá, penso que, assim como nos estados do Acre, Roraima e Tocantins, a falta deles (TRTs) já está gerando grandes prejuízos humanos e financeiros a essas quatro Unidades Federativas, pois somente a atuação das Varas Trabalhistas não consegue atender a contento a essência do direito de acesso à Justiça e ao Judiciário, conforme até aqui comentado.
E mais: ressaltamos de novo que o orçamento destinado à manutenção da estrutura de uma Corte, por ser um pouco maior do que aquele que é utilizado na manutenção do atual sistema de Varas Trabalhistas, possui imensa importância constitucional e federativa, uma vez que é direito da Federação usufruir do orçamento da Federação. Tal acontece, por exemplo, lá com os royalties e as compensações financeiras do petróleo, com os impostos federais distribuídos via Fundos de Participação dos estados e dos municípios etc.
Penso que as bancadas federais de estados do Amapá, Acre, Roraima e Tocantins possam juntar-se e unir-se para resolver esta questão, e o Congresso Nacional, a exemplo do que decidiu a respeito da Justiça Federal, deveria criar estes quatro TRTs que não existem ainda no país, com base nas justificativas neste texto apresentadas.
Esses novos TRTs devem ser criados inicialmente com estrutura mínima, a menor possível, com cinco (5) ou sete (7) desembargadores-membros no máximo, até que, com o tempo, ganhem maior amplitude, assim como aconteceu com os Tribunais de Justiça destes estados. No Amapá, por exemplo, a Justiça do Trabalho já possui até prédio próprio, o qual foi construído e finalizado com o intuito de abrigar um futuro TRT local.
No mais, deixemos aqui registrados, ainda, outras possíveis justificativas para motivar a criação do TRT do estado do Amapá:
1. A região centro-oeste do estado do Amapá é grande produtora de minérios. Existe um número enorme de trabalhadores deste setor que está sem acesso à Justiça do Trabalho;
2. A região sul do referido Estado, isto é, a região do Jari, que faz fronteira com o estado do Pará, possui milhares de trabalhadores que estão sem acesso à Justiça do Trabalho;
3. Na região norte do Estado, no município de Oiapoque, está havendo uma corrida por causa da futura exploração do petróleo. Muitos trabalhadores que ali já estão atuando, encontram-se sem acesso à Justiça do Trabalho;
4. Há, no estado do Amapá, sérias questões trabalhistas que envolvem os setores de madeira, garimpo, pesca, agro etc., os quais estão sem o amparo da Justiça do Trabalho;
5. Existem, ainda, no estado do Amapá, outras questões trabalhistas, que são típicas de regiões de fronteira, devido ao isolamento territorial, estão sem acesso à Justiça do Trabalho;
6. Por fim, duas justificativas menores, mas não menos importantes: a) As Faculdades de Direito e outros cursos superiores, com a presença de uma Corte Trabalhista, terão melhores oportunidades para implementar suas práticas profissionais e curriculares estabelecidas em lei; e b) Assim como aconteceu na Justiça Federal, os novos TRTs irão mitigar a sobrecarga dos atuais responsáveis pela dupla jurisdição.
Vale deixar registrado, ainda, que a criação de um novo Tribunal promove a expansão de todas as funções essenciais à Justiça, o que incrementa, ainda mais, os benefícios orçamentários previstos para aquela região.
Por fim, a presença capilar do Poder Judiciário no território nacional não somente se justifica pela quantidade de trabalho judicial sempre crescente, mas pela promoção do “conforto jurisdicional” e pela missão constitucional de distribuir os recursos públicos diretos e indiretos, que irão contribuir para que se garanta o acesso à Justiça ao povo brasileiro e, por via de consequência, melhor qualidade de vida a todos (CF, art. 3º).